domingo, 17 de outubro de 2010

Efeitos e guitarristas mudérnos

Fazia já um tempo que tava afim de postar algo sobre música aqui, mas não sabia direito o quê. Hoje tive a luz: o som do rock'n'roll atual através dos efeitos que os guitarristas usam. Não entendeu? É simples! Guentaí!


O Rock'n'roll surgiu numa época que a música precisava de mudanças. Os amplificadores, guitarras e baixos elétricos abriam um puta mundo novo pras possibilidades sonoras. Mas, ainda sim, o rock ainda estava muito ligado às suas raízes mais puras: o blues, o jazz, etc.

Foram essas raízes do Blues e do Jazz que deram ao rock'n'roll - desde o mais leve até o mais pesado - a sonoridade visceral de riffs marcados e vocal sempre procurando o contratempo. Além disso, essa ligação direta com suas raízes mantinha os eletrônicos com uma necessidade básica: distorcer o som da forma mais clara e nítida possível.

Parece um paradoxo, mas essa necessidade foi suprida. Todos os equipamentos gerados na década de 50, 60 e 70 ainda hoje fazem um sucesso entre os músicos mais exigentes não por um mero acaso. Não vou entrar aqui em detalhes técnicos, mas a válvula em grande parte trazia a saturação do som com um impacto e pressão sonora que caracterizam o que hoje conhecemos por "som clássico da guitarra" - ou do baixo.

Acontece que, com a porcaria dos anos 80 vieram os malditos digitais. A revolução do computador trouxe uma praticidade nunca antes experimentada pelos músicos: ter qualquer som que quiser em um pequeno chip.

Não que exista diferença de qualidade entre os tops de ambos os lados; temos aqui, na verdade, uma diferença de aplicabilidade. O rock nos anos 80 passou daquele som de uma banda tocando estupidamente alto com uma pressão capaz de socar o peito do espectador do primeiro ao último acorde para algo mais light, com sintetizadores e tal.

Hoje em dia sofremos uma crise de falta de conhecimento de seus equipamentos, por parte dos músicos em geral - especialmente guitarristas. Neguinho já se acha o Jimmy Page quando liga sua Ibanez numa pedaleira igualmente cara e em um amplificador sem nenhuma valvula. O máximo que esse cara consegue é um som próximo a uma abelha no cio.

Digitais tem sua aplicabilidade, possuem sua utilidade. Mas, _POR FAVOR_, não ache que está tocando _ROCK_ com uma guitarra zumbindo na orelha dos outros. Procure conhecer melhor os equipamentos e chegar em um som que realmente trate com respeito o ouvido de quem te escuta.


É nessa pegada que eu deixo um vídeo de um "pedalzinho" bem antigo de Delay. O nome do brinquedo é Fulltone TTE tube tape echo.

http://www.youtube.com/watch?v=TCCyGFffml8

Hoje em dia é bastante simples um guitarrista duplicar suas notas, extendendo elas até 30 segundos. Os delays digitais que fazem isso, no entanto, não reproduzem um som tão perfeito quanto essa belezinha aí.
Essa maquininha tem um rolo de fita de carbono integrado a um mecanismo valvulado, que grava o som que é passado e reproduz não só com fidelidade, mas com nitidez e clareza.

Como não tenho cacife pra um troço desses - pelo menos enquanto isso - fico com o som "crú" mesmo.


É isso. Fica aqui meu manifesto. Quer ser guitarrista? Conheça seu equipamento. OUÇA melhor seu som.

Just for the record: a primeira vez que me ouvi fiquei com MUITA vergonha de mim mesmo... rs

sábado, 2 de outubro de 2010

A tese perfeita - por Zé Murilo de Carvalho

Olá! Sou eu aqui novamente! Até que está durando isso aqui.


Bom, hoje não vou escrever muito. Vou deixar 90% do texto encarregado pelo mito no Brasil: José Murilo de Carvalho. O cara é simplesmente um dos melhores escritores de História Republicana, com livros como Os Bestializados e A formação das almas: o imaginário da República no Brasil.

Bom, historiadores não são conhecidos pelos seus dotes literários, isso é bem verdade. De toda forma, o Zé ultrapassa qualquer espectativa. O cara é bão mesmo.

De tão bão, ninguém melhor que ele pra dizer qual o caminho das pedras pra se escrever a tese perfeita! Esse texto que eu vou mostrar aqui foi mandado pelo Alcides por e-mail, que recebeu de uma pessoa que teve aula com o cara. Parece que foi uma forma de descontrair as tensões dos alunos com relação a "Acadimia".


Lá vai!


COMO ESCREVER A TESE CERTA E VENCER

*José Murilo de Carvalho

Ter que fazer uma tese de doutoramento na incerteza de como será recebida e na insegurança quanto ao futuro da carreira é experiência traumática.

Quando passei por ela, gostaria de ter tido alguma ajuda. É esta ajuda que ofereço hoje, após 30 anos de carreira, a um hipotético doutorando, ou doutoranda, sobretudo das áreas de humanidades e ciências sociais. Ela não vai garantir êxito, mas pode ajudar a descobrir o caminho das pedras.

Dois pontos importantes na feitura da tese ou na redação de trabalhos posteriores são as citações e o vocabulário. Você será identificado, classificado e avaliado de acordo com os autores que citar e a terminologia que usar. Se citar os autores e usar os termos corretos, estará a meio caminho do clube. Caso contrário, ficará de fora à espera de uma eventual mudança de cânone, que pode vir tarde demais.

Começo com os autores. A regra no Brasil foi e continua sendo: cite sempre e abundantemente para mostrar erudição. Mas, atenção, não cite qualquer um. No momento, a preferência é para franceses, alemães e ingleses, nesta ordem. Entre os franceses, estão no alto Ricoeur, Lacan, Derrida. Deleuze, Chartier, Lefort, Foucault e Bourdieu ainda podem ser citados com proveito. Quem se lembrar de Althusser e Poulantzas, no entanto, estará vinte anos atrasado, cheirará a naftalina. Se for para citar um marxista, só o velho Gramsci, que resiste bravamente, ou o norte-americano F. Jameson. Entre os alemães, Nietzsche voltou com força. Auerbach e Benjamin, na teoria literária, e Norbert Elias, em sociologia e história, são citação obrigatória. Sociólogos e cientistas políticos não devem esquecer Habermas. Dentre os ingleses, Hobsbawm, P. Burke e Giddens darão boa impressão. Autores norte-americanos estão em alta. Em ciência política, são indispensáveis. R. Dahl ainda é aposta segura, Rorty e Rawls continuam no topo. Em antropologia, C. Geertz pega muito bem, o mesmo para R. Darnton e H. White em história.

Não perca tempo com latino-americanos (ou africanos, asiáticos etc.). Você conseguirá apenas parecer um tanto exótico. Um autor brasileiro, no entanto, nunca poderá faltar: seu orientador ou orientadora. Ignorá-lo é pecado capital! Você poderá ser aprovado na defesa da tese mas não terá seu apoio para negociar a publicação dele e muito menos orelha assinada por ele. Se o orientador não publicou nada, não desanime. Mencione uma aula, uma conferência, qualquer coisa.

O vocabulário é outra peça chave. Uma palavra correta e você será logo bem visto. Uma palavra errada e você será esnobado. Como no caso dos autores, no entanto, é preciso descobrir os termos do dia. No momento, não importa qual seja o tema de sua tese, procure encaixar em seu texto uma ou mais das seguintes palavras: olhar (as pessoas não vêem, opinam, comentam, analisam, ela têm um olhar); descentrar (descentre sobretudo o Estado e o sujeito); desconstruir (desconstrua tudo); resgate (resgate também tudo o que for possível: história, memória, cultura, Deus e o diabo, mesmo que seja para desconstruir depois); polissêmico (nada de "mono"); outro, diferença, alteridade (e diferença é erudita), multiculturalismo isto é básico: tudo é diferença, fragmente tudo, se não conseguir juntar depois, melhor); discurso, fala, escrita, dicção (ou autores teóricos produzem discurso, historiadores fazem escrita, poetas têm dicção); imaginário (tudo é imaginado, inclusive a imaginação); cotidiano (você fará sucesso se escolher como objeto de estudo algum aspecto novo do cotidiano, por exemplo, a história da depilação feminina); etnia e gênero (essenciais para ficar bem com afro-brasileiros e mulheres); povos (sempre no plural, "os povos da floresta", "os povos da rua", no singular saiu de moda, lembra o populismo dos anos 60, só o Brizola usa); cidadania personifique-a: a cidadania fez isso ou aquilo, reivindicou, etc.).

Para maior efeito, tente combinar duas ou mais dessas palavras. Resgate a diferença. Melhor ainda: resgate o olhar do outro. Atinja a perfeição: desconstrua, com um novo olhar, os discursos negadores do multicultiralismo. E assim por diante.

Como no caso dos autores, certas palavras comprometem. Você parecerá demodé se falar em classe social, modo de produção, infra-estrutura, camponês, burguesia, nacionalismo. Em história, se mencionar descrição, fato, verdade, pode encomendar a alma.

Além dos autores e do vocabulário, é preciso ainda aprender a escrever como um intelectual acadêmico (note que acadêmico não se refere mais à Academia Brasileira de Letras, mas à Universidade). Sobretudo, não deixe que seu estilo se confunda com o de jornalistas e outros leigos. Você deve transmitir a impressão de profundidade, isto é, não pode ser entendido por qualquer leitor. Há três regras básicas que formulo com a ajuda do editor S. T. Williamson. Primeira: nunca use uma palavra curta se puder substituí-la por outra maior: não é "crítica", mas "criticismo". Segunda: nunca use só uma palavra se puder usar duas ou mais: "é provável" deve ser substituído por "a evidência disponível sugere não ser improvável". Terceira: nunca diga de maneira simples o que pode ser dito de maneira complexa. Você não passará de um mero jornalista se disser: "os mendigos devem ter seus direitos respeitados". Mas se revelará um autêntico cientista social se escrever: "o discurso multicultural, como ser desconstrutor da exclusão, postula o resgate da cidadania dos povos da rua".

Boa sorte!




...boa sorte MESMO!