quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Chronica Santista - 1851

Publicações da Revista Commercial

pelo Chronista

10 de fevereiro de 1851

Mesmo se não me fizessem falta os 8$ para aproveitar-me da pechincha do Yipiranga, que franqueou a passagem á todos que querem vêr a cidade de Paranaguá, com tudo não iria, porque 1° havia por ter algum receio de causar despezas a companhia do vapor, pois podia acontecer o mesmo o que já occorreu ha alguns annos, que o vapor entrou arribado e de tal sorte borritado pelos illustres passageiros de ambos os sexos, que era uma lastima, e a dita companhia gastou boas patacas em repintal-o. Portanto aproveite-se quem quizer, menos eu.

16 de fevereiro de 1851 – n°23

Se não houvesse a prophetisada arribada do vapor Ypiranga, pouco ou nada teria a mencionar, pois os calores infernaes dos primeiros, e as chuvas dilluviaes dos ultimos dias da semana dispuzerão-me a uma preguiça tal, que pouca vontade tive de pesquisar novidades.

Mas o que disse eu no sabbado passado? – Dei ou não o faro a brincadeira? –

O Ypiranga, repleto de uma sociedade de passageiros folgasões[1] e desejosos de ver a cidade de Paranaguá, memoravel na época presente da repressão do trafico, - que sahio no dia 11 tão ufano, tão limpinho e tão direitinho barra fora, tornou a entrar no dia 13

tão murcho, tão sujo, tão triste, e calado,

que foi uma lastima. Apanhou grossa tempestade, e andando na densa cerração ás apalpadellas sem poder encontrar a barra do seu destino, por um pouco não esbarrou a um rochedo. Dizem que houverão scenas bem tragicas, e que até correrão lagrimas sobre faces bem barbadas durante o forte da naufragosa tormenta; e entre as promessas que forão feitas a N. S. do Monte Serrate nota-se uma assaz singular, feita á um sapo, que de certo, quando fôr cumprida, renovará ao penitente os lamentosos gritos, que se lhe ouvirão no momento de perigo. – Consta que na bonita palmatoria de jacarandá, embutida de ouro, está encommendada para maior decencia da festa. – Emfim todos escaparão felizmente, e recebão todos os meus sinceros parabens, e principalmente aquelles que se aproveitárão da lição, que a Divina Providencia se dignou dar-lhes, para arrepender-se de seus peccados.

Pobres Paranaguenses illudidos, que talvez ainda hoje esperão pela venturosa chegada dos irmãos amorosos de Santos.

Nada mais de novo me consta; tudo é velho. Estamos ás escuras no seculo da luz, de maneira que o maldito páo do lampeão, no beco do Inferno, já quebrou a cabeça d’um passeador nocturno. Bodes e cabras vagão, sem duvida, com privilegio do nosso digno Sr. fiscal, em rebanhos principalmente pelas ruas Vermelha, do Rosario, e Nova, onde morão tantas moças bonitas e innocentes – E’ uma vergonha! –

Os chafarizes nem pingão uma só gota; mas graças a Divina Providencia e ao meu cuidadoso caseiro não soffro falta d’agua em casa, pois continuamente posso ter um barril na biqueira do telhado no meu quintal ou no meu quarto, onde chove que é um gosto.


[1] Alegres.

REVISTA COMMERCIAL. Edições n.21 e 22, p. 4, 1851.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

“Ser o primeiro a...” e outras efemérides


São Vicente, primeira vila do Brasil! Puxa vida, isso quando o Brasil nem era assim... um Brasil. Seria algo mais como aquela terra fica no meio do caminho pro que realmente interessa.

Falando em coisas que interessam: qual é a do pessoal “dos primeiros”? Primeira hospital da Santa Casa, primeira vila, local de nascimento do patriarca, local de morte do fundador. Essa forma de pensar enraizada na nossa cultura leva muitas pessoas a pensar a História de uma forma puxa-saquista, chata, pentelha.

Hoje em dia não existe mais necessidade desse tipo de escrita. Vultos históricos a cada dia estão sendo desconstruídos (ou destruídos), mas tem gente que teima em voltar na mesma historinha do Martim Afonso de Souza lá em 1532.

Ao escrever, sabemos que temos um objetivo. Queremos impactar alguém, mudar a perspectiva sobre algo, estabelecer relações inteligentes e inteligíveis e, principalmente, sermos entendidos. Ao mesmo tempo, fomos acostumados que conteúdo é forma e não o contrário. Não basta pesquisar toneladas de informações se aquilo não vai ser útil prá ninguém.

Portanto, volto: qual é a utilidade em saber o lugar exato onde Brás Cubas está enterrado? O que vai mudar na vida de uma pessoa saber que São Vicente foi a primeira vila do Brasil? Esses fatos, essas efemérides podem ser ponto partida para uma análise com maior relevância.

É normal que as pessoas pensem a História dessa maneira. Ao fazer o curso de história, muitos alunos entram em choque; não conseguem ou nem tentam pensar de outra maneira. Ou melhor, provocar para que as pessoas ao redor deles ou que lêem seus textos tenham uma postura mais crítica sobre o seu passado e, consequentemente, a atualidade.

É aquela coisa: se o historiador/professor de História não der valor ao que faz, todo mundo vai continuar acreditando que o que fazemos é enrolá-los.