quarta-feira, 29 de setembro de 2010

As terras do cemitério - Parte I

Era um dia típico de inverno em Santos. Chovera torrencialmente no dia anterior e naquele dia a garoa fina persistia, incomodando a todos que saiam de casa para algum afazer.

Uma procissão seguia na rua. Mais um cristão sucumbira de Febre Amarela. Trazido de uma ponta a outra da cidade, aquela gente caminhava do Hospital da Beneficência Portuguesa no Paquetá até o Cemitério Municipal Provisório, no Valongo.

- E que seja provisório mesmo! O campo de Santo Antônio não é lugar para se enterrar, sinto todos os dias os odores e sei são de lá! - Dizia um morador.

- Valha-me! Estes tipos da Câmara acham que somos bestas! Mais de três anos para fazer um muro e uma Capela. Só me falta demorar mais um ano para o Bispo vir benzê-la. – Replicava outro munícipe indignado.

Há três anos, em 1850, o Presidente da Província baixava um Decreto acabando com o enterro dentro de templos religiosos. Costume de raízes medievais, o enterro dentro das igrejas da cidade era prática deste povo desde a colonização. Nenhuma pessoa, nem escravo, deixavam de participar de uma irmandade que zelava do nascimento à morte.

O Decreto vinha cumprir ordens Imperiais; a Corte passava por sérios problemas com a epidemia de Febre Amarela, que aportaria em Santos no ano seguinte. Seu combate estava focado na erradicação dos fortes cheiros que exalavam de corpos pútridos – os terríveis miasmas. Quando inalados, tais odores traziam a galope os sintomas da doença.

Voltemos ao enterro. O corpo já havia adentrado os muros do Cemitério sendo acompanhado por diversas pessoas, inclusive o subdelegado Miguel José Florindo. Homem corpulento, de bigodes grossos e um andar manco, o oficial não possuía uma boa reputação por sua intransigência e arrogância. Entretanto, sempre rebatia suas críticas de forma ríspida: - sou a favor do que é certo: a moral, os bons costumes e a religião. Defendo-os a todo custo.

O subdelegado Florindo assistia ao ritual pacientemente, passeando seus olhos ora aos presentes, ora ao resto do Cemitério. Até que uma coisa lhe pareceu muitíssimo estranha: por uma abertura no muro alguns matutos e escravos carregavam terra para fora do cemitério. Sem entender o que acontecia, interpelou o Guardião do cemitério:

- Que fazem aqueles homens?

- Levam terras para o aterro do porto do Bispo – respondeu o Guardião.

- O quê!? Com ordens de quem?! – replicou o subdelegado sem conseguir conter sua indignação.

- Ordens do Procurador da Câmara.

- Pois vou resolver esta questão imediatamente! Terras bentas de um local Santo e, o que é pior, terras insalubres! Não tens idéia do quantas pessoas morrem por dia? Ora, qual...!

[...]

Tava lendo uns ofícios hoje com essas tretas. Sempre quis escrever um conto ou algo do gênero. Depois termino! hahaha

3 comentários:

  1. Muito bom!
    E tem várias histórias legais: aquela dos mictórios na janela da Igreja, aquela do porteiro do cemitério cobrando as balas com as quais matava os cachorros que roubavam ossos, e muitas outras.

    Continue, que está valendo a pena!
    Parabéns!!!

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  2. Essa do porteiro do cemitério eu nunca vi! Cê precisa me mostrar! hahaha

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  3. Ai ai... Sempre pensei em fazer cronicas assim com as histórias engraçadas que a gente encontrava nos documentos! Alias, já fiz uma história em quadrinhos uma vez, baseada numa ata de sessão da câmara!
    Parabéns, Bruno! Texto muito bom, muito bem escrito e muito digno de um aluno de Dona Wilma T... oi? hehehe

    Nádia

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